Mestre Brasil, um negro para falar sobre negros


CAXIAS DO SUL - Homem simples, de fala mansa e que demonstra muito conhecimento, sobretudo da raça negra. Este é o senhor Diógenes de Oliveira Antônio Brasil, ou simplesmente “MESTRE BRASIL”.
Nascido em Vacaria no dia 11 de agosto de 1960, numa família de nove irmãos, aos 16 anos foi morar em Curitiba. Em 1976 veio para Caxias do Sul, trabalhou na UCS, auxiliou na construção do prédio daquela que é hoje uma das maiores universidades do Brasil. Lá permaneceu até 2002, quando então decidiu sair para levar adiante alguns projetos de vida.
O seu envolvimento com a cultura iniciou em 1979. Em 1980 conheceu o Mestre de Capoeira, Índio, oriundo da Bahia, daí o seu envolvimento com a cultura afro, através dessa arte milenar.
Passou a estudar e entender a tudo que diz respeito à Capoeira e em 1984 ensinou o que havia aprendido em Flores da Cunha, pelo fato de que ainda era um terreno desconhecido, queria saber do quanto isso tinha a aceitação dentro da etnia daquela terra, sendo uma porta de entrada para que seguisse em frente e perpetuasse seus ensinamentos por muitos outros lugares. Em Flores da Cunha recebeu o apoio através de um padre, que via na capoeira, uma oportunidade de interação e doutrina entre os jovens.    
Enfrentou o problema da falta de entendimento pelo fato das suas idéias confrontarem com outras muito diferentes. Para muitos, na vila não havia a menor possibilidade de inclusão através da cultura, mas nem por isso deixou de acreditar. Aos poucos isso foi sendo dissipado, as pessoas entenderam que a falta de educação e cultura não era exclusividade das classes menos favorecidas.
Em 1989, 1° de setembro, Mestre Brasil fundou o grupo de Capoeira Conquistador da Liberdade, para ratificar tudo aquilo que havia pensado no momento em que decidiu seguir esse caminho.
Mas o caminho sempre teve dificuldades, como em todo segmento a política está presente, era hora de algum tipo de envolvimento também nesse campo, por conta disso, Mestre Brasil sofreu perseguição política. Já não era o Diógenes que estava ali realizando aquilo que mais sabia fazer, ensinar capoeira e sim o Mestre que arregimenta jovens para a prática de uma arte aliado ao esporte e por esse motivo, representava uma ameaça.
“Fui usado, confesso, em função da minha boa fé e pela falta de conhecimento. Não tinha a mínima ideia de como encaminhar as pessoas, orientá-las na resolução dos seus problemas comuns do cotidiano. Muitas vezes acaba remetendo para as pessoas erradas que só queriam se aproveitar da situação e isso foi algo que prefiro esquecer”, enfatiza Brasil.

Doutrinando a cultura da paz

“Todo o ensinamento que por ventura passei para outras pessoas, meninos, meninas, vem daquilo que adquiri junto aos meus pais. Eles me ensinaram que jamais eu deveria pregar o ódio e a falta de ética. Sempre quis provar e acabei conseguindo que a educação através da cultura e a doutrina da cultura afro poderia dar certo, o tempo me provou que estava certo”.

Aceitando as críticas e as limitações

“Descobri que toda a crítica e elogio que recebi até hoje me ajudaram bastante. Sempre procuro antes de absorvê-las, ver a razão disso tudo.
Em 2004 tentamos levar nosso conhecimento sobre Capoeira para a Alemanha. Aquele país, ao contrário do que muitos pensam, sentiu a necessidade da abertura, eles viram na capoeira a possibilidade de aproximação com os jovens. Faltaram recursos para que isso pudesse se concretizar”.

Abertura numa terra de predominância italiana e alemã

“O Mestre Brasil em Caxias e em muitos lugares é tratado como uma personalidade. Nunca planejei isso, nunca quis ser conhecido através da capoeira e fazer disso um modo de promoção, talvez isso fosse o caminho que encontrei também para poder mostrar a cultura afro.
Tivemos alguns avanços nesse sentido pelo fato de poder proporcionar o debate. Caxias é uma cidade diferenciada, pela percepção do seu povo da sua importância.
Precisamos, no entanto olhar com mais atenção para aqueles descendentes de escravos que baixam a cabeça e não lutam. Igualmente precisamos acabar com a cultura de alguns descendentes dos ‘senhores’ que andam com a cabeça erguida como se fossem donos dessa terra.
Está havendo aos poucos a segregação racial, justamente através dos muitos movimentos que surgiram ao longo dos tempos. Mas nada justifica o racismo. Infelizmente isso se dá sempre em função da aquisição de terra, da ocupação dos espaços e do poderio econômico. Isso é fruto da ignorância. Existe um pequeno grupo maldoso e outro grande de ignorantes que impedem que as coisas avancem.
Em Bento Gonçalves, por exemplo, o atual prefeito prometeu que abriria espaço para os negros, o que acabou não acontecendo. Isso é uma lástima, porque não dá para imaginar que não se dê valor àqueles que também ajudaram a construir aquele município. Com certeza a iniciativa de valorizar seria um grande avanço político e social. Ainda dá tempo, é preciso agilizar o processo e por mãos à obra.
     Aqui em Caxias, a criação da Coordenadoria da Igualdade Racial, ainda no governo Pepe Vargas abriu espaços para que todos de forma igualitária sejam incluídos em todas as discussões. Sabemos que falta muito ainda, mas o fato positivo é a continuidade através da administração Sartori. Graças a isso, estamos gradativamente implantando e semeando idéias para os próximos governantes”.


O que ainda falta nesse processo

“Falta direcionamento para o afro descendente, que ele se assuma como negro, que conheça a história do negro no Brasil e no mundo. Que possamos tomar como exemplo a nossa história.
Temos aqui em Caxias exemplos vivos da participação dos negros em todos os setores. No comércio, na indústria, na política e principalmente na cultura e no esporte.
Existe ainda o nosso carnaval, a valorização e a maior manifestação popular do Brasil. Aqui em Caxias está provado, a comunidade está aos poucos redescobrindo o carnaval.
Não podemos, no entanto ficar revoltados com atitudes racistas. Devemos nos manifestar e mostrar para o racista o seu erro”. (Foto Ponto Inicial/Por Laudir José Dutra)

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