UMA HISTÓRIA DE VIDA – Nos anos 30 e 40 muita coisa acontecia no mundo, Hitler chegou ao poder, Jean Harlow, Greta Garbo e Fred Astaire, estreavam filmes falados. O cinema investiu nos desejos dos cidadãos e a moda fez questão de os assegurar.
Roupas brilhantes, repletas de glamour e luminosas, os casacos de pele e as jóias criavam” La femme fatale” e os “galãs” masculinos. Mas isto só se aplicava aqueles que tal podiam se sustentar, sendo que, a maioria dos cidadãos vivia de uma forma bem mais simples.
Foram criadas roupas para diversas ocasiões com cores fortes como o “rosa choque”. Foi nesta época que surgiu o sapato de salto alto para as mulheres e as sandálias tornaram-se populares, assim como as meias de nylon. Os homens por sua vez, passaram a adotar estilos bem diferentes e deixaram as “comuns” botas de lado.
Os anos 40 já iniciaram com a II Guerra Mundial. As mulheres tinham que trabalhar em fábricas para assegurarem a produção do seu país, uma vez que os seus maridos e filhos integravam o exército.
A moda era dividida entre a sensualidade e a época juvenil, contrastando com a chegada do rock in roll.
A maquiagem devia valorizar o olhar, o delineador era o cosmético mais usado. O batom era o escuro, especialmente o vermelho e a pele deveria ser branca e perfeita para dar o resultado esperado.
O corte de cabelo curto volta a ser tendência, igual anos 30. Os coques com cachos em volta eram os mais usados e a franja curta e natural.
O Surrealismo foi inspirador para os criadores de moda, e isso provou que esta última e a cultura podiam trabalhar em sintonia.
O cinema incutiu ideologias nas pessoas. As atrizes, faziam espetáculos e assim, as pessoas ficaram maravilhadas com a figura das “pin-ups“. Esta época é marcada por diversas restrições, poucos recursos e uma raridade de matérias-primas.
A moda optou por modelos sóbrios, retos, masculinos e nada exagerados, o uso do chapéu, era quase que, obrigatório. As diferenças sociais diminuíram. Reciclava-se e improvisava-se, até porque a maioria das fábricas produtoras de bens de consumo, agora serviam também o exército. Os saltos altos, por exemplo, não podiam ultrapassar um determinado tamanho e as cores foram reduzidas, apenas, em seis tons. Procuravam-se novos materiais, como alternativa, e começou a utilizar-se a pele de animais e a madeira no fabrico de calçado.
No entanto, com o final da guerra, iniciou-se o estilo que se definiria na década seguinte. Foi Christian Dior que, em 1947 criou o ” New Look”. No ano anterior, Louis Réard criou o “maiô em duas peças”: biquini.
Nos anos 60 os cabelos longos eram a tendência, mas os coques permaneceram. Já na década de 70, os cabelos longos e desalinhados entraram com tudo. Ufa, quase esquecemos do foco principal dessa história.
Há quase 73 anos atrás, em 1939, nascia no bairro Cruzeiro em Caxias do Sul, uma senhora que iria ficar conhecida por fazer parte do mundo fashionista da época e que até os dias atuais, continua fazendo o que mais gosta, mesmo que de forma esporádica. Trata-se de Zercy Vaccari Soares, cabeleireira por vocação e por destino, há 53 anos.
Na década de 1950, os chamados Anos Dourados, alguns fatos importantes. A televisão brasileira ganhava a sua primeira emissora, a TV Tupi, Getúlio Vargas assumia a presidência da República pela primeira vez, o Brasil perdia a sua primeira Copa do Mundo em casa, no famoso ‘maracanaço’, para o Uruguai. Mas ao mesmo tempo, ganhava a sua primeira taça em 1958 na Suécia na estréia de Pelé com a camisa canarinho e a nossa protagonista, aos 17, quase 18 anos, era escolhida Rainha do extinto Clube Rodoviário, importante e renomado esteio da sociedade caxiense.
“Fiquei muito orgulhosa na época, lembro que havia muita amizade, tanto é que até hoje mantenho alguns contatos com pessoas que vivenciaram tudo isso, num clima sadio, realmente familiar.
Naquele tempo a vida na sociedade era mais acolhedora, tranqüila, onde havia o respeito. No próprio carnaval não existia os abusos e a exposição que vemos nos dias de hoje. Muita simplicidade, diversão, tudo sem exageros. Realmente eram tempos bons”, fala com saudosismo.
A profissão foi escolhida por afinidade
“Sempre quis trabalhar como cabeleireira, no início foi na vontade, observando o que era moda e me aperfeiçoando o máximo possível para atender bem e agradar minhas clientes, depois participei de alguns cursos de aperfeiçoamento da Wella ministrados pelo professor Gaúcho, que hoje já não está entre nós. Aprendi muito com ele sobre a utilização de técnicas e produtos que a cada dia eram desenvolvidos.
Sempre tive uma grande paixão pelos cortes de cabelos, muito honesta naquilo que faço, não gosto de machucar o cabelo, até hoje jamais fiz uma escova progressiva por entender que isso vai contra tudo que sempre preguei, o cuidado com os cabelos.
Cabelos presos, trabalhado, presos e o meu preferido, os coques. Hoje felizmente isso está voltando, as mulheres estão buscando a moda retrô para realçar seu look e compor também com a roupa”.
Zercy fez o ensino normal, que equivaleria ao ensino médio dos tempos atuais, mas aprendeu muito ao longo da vida, acompanhou muitas coisas, viu a evolução da cidade de Caxias do Sul, fez a cabeça de muitas rainhas da Festa da Uva, de noivas, de formandos. “Já passou muita gente linda pelas minhas mãos, aconselhei muito na hora de realizar um trabalho e continuo fazendo até hoje, mas é sempre importante que a mulher já tenha em mente o que ela quer fazer com o seu cabelo, o que temos são algumas sugestões de composição, de arranjos e o que é mais adequado para cada tipo de cabeça, mas o gosto é da cliente”.
Nos tempos dourados a música, o teatro, o cinema e a moda estavam se reinventando. O que era moda, na música Vinicius de Morais, Tom Jobim e João Gilberto levavam ao delírio a geração encantada. No cinema em cartaz ‘Cantando na chuva’, com Gene Kelly e Jena Hagen. Na televisão e no rádio, as novelas, patrimônios culturais brasileiros. Zercy viveu todo esse tempo, com o mesmo olhar que ainda se percebe quando fala de todos os anos de dedicação em torno da profissão.
Mexer com vaidades é sempre mais complicado
“A vaidade já vem de milênios, eu acredito que eu era vaidosa para os padrões da época, gostava de me maquiar, arrumar meu cabelo, mas nunca cometi excessos. As mulheres que freqüentavam o meu salão, que sempre esteve na mesma rua, buscavam algo diferente, queriam se apresentar bem e se sentir igualmente. Hoje existem mais recursos, novas tecnologias, mas é preciso ter o cuidado para não machucar o cabelo, ao mesmo tempo em que auxiliam, os produtos e as novas técnicas podem causar danos irreversíveis, pois são novidades que os profissionais não estão acostumados a lidar, não conhecem suas fórmulas e os efeitos que os mesmo podem causar”
Personal style de luxo
“Muitas vezes os pais da noiva nos buscavam em casa para penteá-la, havia todo um cerimonial e eu era tratada como uma personal style realmente, termo que nem existia naquele tempo. Um conselho que posso dar àquelas que estão começando é que sejam gentis com as pessoas, procure fazer sempre o bem que é a melhor coisa que podemos fazer nessa ou em qualquer outra vida. Devemos saber que essa área não nos deixa ricos, mas nos dá muita satisfação. Quem faz por amor as coisas não machuca os outros.
O que posso dizer é que muitas famílias, hoje estabelecidas, passaram pelo meu salão, conheço a todos e trato igualmente sem distinção, por isso construí um nome e fiz muitas amizades, tanto daqui do bairro como de outros locais de Caxias. Vi esse bairro crescer, se desenvolver, muitas famílias tornaram-se amigas da minha família. Isso é o mais importante e temos que preservar, a família.”
Cliente desde 1975
Adelaide Pont, 69, cliente há 36 anos, conta uma passagem ocorrida no instituto de beleza de Zercy. “Certa vez precisava fazer o meu cabelo, procurei a Zercy, que era muito solicitada. Quando cheguei já avistei uma longa fila de espera, mais em função de que ela não trabalhava com hora marcada, vendo a cena, fiquei em pânico, com certeza seria muito difícil conseguir o serviço, então, pela primeira vez me dirigi até outro salão, mas, o destino se encarregou de reparar as coisas. Não havia energia, então falei à proprietária que voltaria depois. Voltei na Zercy, expliquei a minha situação e recebi a certeza de que seria atendida e que nem a falta de energia seria problema. Então, como só ela sabia fazer, com o fogão à lenha aceso aquecia o pente e usava para fazer o cabelo de todas que aguardavam ansiosas. Nunca vou esquecer esse dia e da forma carinhosa com que atendia a todos que a procuravam, com dinheiro ou não para pagar”.
Zercy Vaccari Soares, completa 73 anos em abril (04), é casada há 52 anos com Arno Soares, com quem tem 2 filhos, Gelson, 52, mecânico, pai dos netos, Úrsula, 30 e Ramon, 22 e Alex, 45, administrador de empresa, casado com Vera. O seu endereço de trabalho está localizado há mais de 50 anos na rua Lucas Menegotto, 706, bairro Cruzeiro.
A sua maior vontade é continuar na profissão. “Não quero largar tudo e não posso fazer isso, pois aqui está muito do que sou, a minha vida, mas vou continuar atendendo esporadicamente, não tenho o direito de largar tudo de vez. Às vezes a idade vem acompanhada de algumas complicações de saúde, por isso, aos poucos vou desenhando aquilo que será no futuro uma saída estratégica. Mas uma dúvida eu nunca tive, se tivesse que escolher uma nova profissão e começar do zero, não tenho dúvidas sobre aquilo que gostaria de fazer na vida. Seria uma Cabeleireira e teria meu próprio salão”. (Texto Laudir José Dutra/Fotos Ponto Inicial e Divulgação)
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