CHRISTIAN PALAVRO DUTRA |
Desde que o mundo é mundo, desde que a vida é vida, desde que o céu é céu e desde que o mar é mar e acolhe todos os rios da natureza vamos aprendendo a conviver com todo tipo de coisa, todo tipo de situação.
Houve as guerras, houve a paz, houve a vida em forma de manifestações de carinho, através da música, da vida em forma de carinho, da educação dos filhos dos velhos tempos, dos tempos dos nossos avós, quando irmãos comiam juntos no mesmo prato por muitas vezes não ter as melhores condições financeiras e estava tudo bem. Tomava-se banho de sanga com sabão de pedra, secava o calção ao sol, vestia o mesmo e tudo bem, afinal, quem nunca tomou banho pelado um dia, escondido entre as árvores.
Ia para o colégio, atravessavam-se muitas pontes, pinguelas, riachos, muitas porteiras eram abertas, com qualquer tempo, com qualquer situação, estudar era privilégio de poucos. O bocó como bolsa para levar os cadernos brochura, um lápis que não podia ser apontado para não sumir a ‘tabuada’ e uma borracha branca que não podia sujar para não borrar o caderno e tudo bem.
Finais de semana, comer uma comida melhor, galinha caipira frita, arroz branco feito pela mãe ou ‘vó’ para esquecer o arroz e o feijão de todos os dias, que muitas vezes viria acompanhado com um ovo frito, uma salada de radicci, alface, repolho, rabanete e uma couve frita e tudo bem.
Sair para a lavoura em cima do arrastão, carregar as sacas de arroz ou soja que a trilhadeira deixava pelo caminho, com os pés dentro d’água, pó na cabeça, calção rasgado de ‘fazenda’ de chita riscada, chinelos de dedos havaiana arrebentado com um prego ou arame segurando a tira e tudo bem.
Veio o progresso devastando as estradas de chão que davam pedra para o bodoque caçar passarinho. Os passarinhos se foram, os peixes dos rios são tão raros, viajar de ônibus para bem longe, subir nos seus degraus e sonhar com a cidade grande, ter filhos, viver intensamente, dar carinho a eles, educá-los, ensiná-los para a vida.
Armas de fogo surgem com facilidades que nunca antes havia, as leis são brandas demais para punir aqueles que tiram a vida dos outros, que ceifam famílias e levam a dor a gerações inteiras.
Velar um ente querido a noite inteira e saber que essa é a última vez que vamos vê-lo, mesmo que não possamos trocar uma palavra, compartilhar um sorriso. Afagar um rosto gelado pela morte, mãos cruzadas inertes e uma face que mais parece a de alguém dormindo e que a qualquer momento vai acordar, é uma experiência que nenhuma mãe, nenhum pai, nenhum irmão, tio, tia, vô e vó querem. Então me revolto, todos nos revoltemos para o que está acontecendo, quem concede os alvarás para o funcionamento das casas noturnas no meio da civilização ou em bairros em que as pessoas compraram há muitos anos por entenderem que seria tranqüilo para sempre. Quem fiscaliza os bares que vendem bebidas para menores de idade? Quem revista os jovens que entram armados nos salões em qualquer tipo de festa, quem disse que isso é comum, corriqueiro?
A bem da verdade, só nos deparamos com esses flagelos quando acontece dentro da nossa família, no nosso âmbito e a bem da verdade também, ninguém quer saber disso. Nem as estatísticas, nem as autoridades, que de um lado prende e de outro solta.
A morte virou uma coisa banal, matar fácil, dar um sumiço e se apresentar com advogado de porta de cadeia e está livre.
Quem vai trazer de volta Christian Palavro Dutra, ou simplesmente ‘Chris’, morto covardemente em frente a uma casa noturna de pouca recomendação na Avenida Rossetti no dia 24 de julho? Provavelmente essa pergunta não terá resposta, tudo porque o crime e a morte se tornaram algo banal entre nós.
Mas uma coisa com certeza todos lembrarão, pelo menos aqueles que o conheciam e o amavam, tratava-se de um garoto bom, de coração generoso, de bondade, meu primeiro sobrinho, alguém que amei e acompanhei desde que nasceu, há 21 anos.
Quem nunca teve uma morte dessa natureza, provavelmente agora deve estar falando coisas, indagando, assim como só os hipócritas e os covardes fazem para se livrar das culpas. “Não morreu de graça, alguma ele aprontou, deve ser um drogado, deve ser um bêbado”. Mas faço uma defesa sem necessidade desse guri, pois Deus com certeza sabe quem foi e o que ele vai continuar sendo. Quem recrimina, mesmo sem conhecer, não sabe o que é velar alguém a noite inteira e segurar na mão gelada de alguém que está ali de corpo, mas que a alma já partira bem antes. Tomara que você que está lendo esse texto agora, não tenha que passar por esta experiência tão ruim, tão triste, pois a mãe dele, o pai, os irmãos, os avós, os tios e os amigos passaram.
Uma lágrima desse tipo pesa mais do que uma tonelada, e quando ela cai no chão, à impressão que temos é que uma cascata inunda nossos pés e a beleza da vida, o prazer de estar entre nossos entes queridos é mais forte do que qualquer coisa.
Que Deus na sua infinita bondade, possa elevar a alma dessa criatura tão linda chamada CHRISTIAN PALAVRO DUTRA e a coloque no lugar mais privilegiado e que ele de lá, possa esperar para nos encontrar quando partirmos também. Obrigado querido Deus por nos dar essa experiência, mesmo que tão dolorosa, de aprender com essas perdas, que elas possam nos fortalecer e que nos ensine a nos preparar para elas.
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